Passeando por sites sobre arte, nos deparamos nessa entrevista com a artista plástica Alice Miceli, para a Revista TPM.
Após rodar quase 150 mil quilômetros para estudar ou fazer arte, os destinos de Alice incluíram França, Camboja, Indonésia, Finlândia e Belarus – antiga Bielo-Rússia – onde fica parte da zona de exclusão, Chernobyl, a carioca de 30 anos mergulhou na região contaminada pelo maior acidente nuclear de todos os tempos.
Alice Miceli, na zona de exclusão de Chernobyl, em novembro de 2009.
Embora não seja o melhor lugar do mundo para estar, ela foi oito vezes à região, levada pela obsessão de registrar o invisível: os rastros da radioatividade. "O lugar é lindo. É como se fosse uma reserva natural. Só que está tudo envenenado e isso você não sente, não cheira e não vê. A não ser pelas casas abandonadas com restos de louça, roupa, brinquedos, livros e jornais. "E pelos inúmeros casos de câncer que ainda são registrados", lembra a artista, que pendurou na parede da sala fotos em preto e branco que fez na região.
Extremamente conceitual, sua obra nem sempre é popular. Mas agrada a alemães como Stephen Kovats, diretor artístico do Transmediale. "O trabalho de Alice tem uma poética forte e, junto com metodologias e processos científicos, revela problemáticas políticas e sociais que são universais", explica. Chernobyl começou a surgir durante um grupo de estudos, coordenado pelo professor Charles Watson, na Escola de Artes Visuais do Rio de Janeiro. Quando propôs o silêncio como tema, Alice pensou imediatamente na região.
Mas, até lá, seria um longo caminho. Para registrar a radioatividade, teve que desenvolver, com a ajuda de cientistas, uma série de experimentos. Começou com uma rudimentar câmera pin hole. Mas acabou adotando as "autorradiografias" - filmes de 30 x 40 centímetros capazes de registrar a contaminação do ambiente depois de um longo tempo de exposição. "O resultado é uma espécie de Santo Sudário", compara Alice. Nada a ver com fotografia, portanto. "Não vai dar para identificar se as imagens vêm de um prédio ou de uma árvore. Mas elas terão a forma da respectiva contaminação", explica a artista, que deu início ao projeto em 2006, ao ganhar o prêmio Sérgio Motta de Arte e Tecnologia.
Retratos de Chernobyl: para “fotografar” a radioatividade, Alice adotou as “autorradiografias”,
filmes de 30 x 40 cm que registram a contaminação do ambiente após longo tempo de exposição.
Alice teve ajuda de pesquisadores do Instituto de Radioproteção e Dosimetria do Rio, assim como apoio do Instituto de Radiação Otto Hug, de Munique, que desde 1990 trabalha na região com diagnóstico e tratamento de pacientes com câncer - e abriu as portas de Chernobyl para ela.
"Ajudar Alice é uma forma de mostrar o que realmente significa a energia nuclear, pois o elemento que produz as imagens no filme também muda o núcleo das nossas células, produzindo câncer", diz a alemã Christine Frenzel, cientista do Otto Hug, lembrando que "a catástrofe pode voltar a acontecer em qualquer uma das mais de 400 usinas mundo afora". Christine gostou de trabalhar com a artista: "Ela é uma jovem ativa, flexível, corajosa e determinada".
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